quarta-feira, 16 de julho de 2014

Desumanidade.




A guerra despertou, desde os seus primórdios, sentimentos que o Homem não sabia existirem. O sangue dos inocentes marcou as páginas de livros que desapareceram para sempre. Com estes, foram esquecidos os que não pediram a guerra e foram levados por ela. Os feitos dos heróis são enaltecidos, revelam-se todos os episódios de maior importância. E os outros? Quem são os outros? São aqueles que ninguém recorda, que não enchem parte alguma dos compêndios de História. São os que deram as suas vidas pela vida de alguém que não tinham de defender. Mas fizeram-no. Lutaram até ao fim e, apesar disso, permanecem apenas na memória de alguns, são uma outra espécie de soldados desconhecidos.

No entanto, não existe a necessidade de falar sobre a guerra de um modo pesaroso. Podemos transmitir aos nossos descendentes, de um modo natural e humano, a crueldade que os antepassados criaram pelos mais diversos motivos. Com um esforço quase hercúleo talvez seja possível mudar o mundo ou, pelo menos, mudar as mentalidades dos que nele habitam.

É também necessário que haja respeito entre os indivíduos. Sem ele, mais conflitos vão começar: guerras sem espingardas, canhões, espadas ou varapaus; guerras em que as liberdades são colocadas de lado, onde não se respeitam os limites e não se põe em prática o ideal de amor ao próximo; contendas provocadas pela religião, por diferentes ideologias e pela esperança vã de que estas conduzam a algo melhor.

Podemos, então, falar numa certa Utopia. É aí, nessa ilha onde tudo parece melhor, que a glória conseguida na guerra é considerada vergonhosa. O Homem, no mundo real – ou num universo poético e negro – afirma que a sua glória é criar desumanidade. É humano ser desumano. Toda esta revolta e ambição corre-nos nas veias: queremos chegar mais longe, mesmo que para isso seja necessário derrubar o que encontramos pelo caminho, numa espécie de efeito dominó. 

Apesar de tudo, resta a certeza de que estes comportamentos negativos servem de modelo para aquilo que devemos, a todo o custo, evitar. Ainda estamos a tempo de mudar. Podemos escrever um novo final para esta história. Podemos honrar os antepassados, aqueles que morreram por uma causa e não são lembrados. Temos a obrigação de amar como eles não tiveram oportunidade de amar; temos mais uma hipótese de restabelecer a paz no meio de tantas batalhas e, deste modo, restaurar uma ínfima parta da felicidade que escapou aos fantasmas do passado, que vagueiam pelos dias de hoje numa tentativa de nos transmitir que até a miséria existente no coração humano tem algo para nos ensinar. 

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