domingo, 19 de janeiro de 2014

Homem do Mar





Sou apenas um velho Homem do Mar. Nasci numa onda desta imensidão azul e aqui irei morrer, um dia. Esta vai ser sempre a minha casa.

Ao longo dos anos, aprendi a deixar os meus sonhos voarem nas asas de uma gaivota e a esconder os meus receios debaixo de uma concha submersa. Encontrei nos animais que habitam as águas os mais fiéis confidentes e aprendi que a areia das praias me corre entre os dedos como o tempo que passa: veloz e imparável. 

Comecei a perceber que cada dia em que observo o sol a esconder-se representa mais uma vitória, mais uma batalha que travo nesta vida de contrariedades e de muita esperança vã. Levei muitos anos a conseguir compreender o que queria realmente para o meu futuro, porque não entendia como era possível incluir as pessoas numa existência tão discreta e camuflada pelas marés como a minha.

Porém, sem que conseguisse sequer tentar evitar o que quer que fosse, deixei que o meu coração fosse aprisionado por uma sereia, de tranças loiras cor de areia e olhos verde-água. Ainda hoje não sou capaz de organizar ideias nem de reconstruir esta história, que reconheço como uma história de amor, com cheiro a maresia e repleta de lembranças azuis.

Confesso que a amei desde o primeiro momento em que a vi. Não sei se foi a sua voz que me deteve, como a tantos outros marinheiros, ou se foi apenas a forma como olhava para mim, com um ar um pouco triste mas, mesmo assim, cativante. Quando os nossos olhos se cruzaram, foi como se a lua e o sol se tivessem abraçado por breves e fugazes segundos, como se os dois se tivessem encontrado pela primeira vez para nunca mais se largarem. Na verdade, foi como se ela me resgatasse do meio dos destroços de um navio afundado nas profundezas do oceano. Ela libertou-me, mostrou-me de novo a luz do dia e o brilho tímido das estrelas. 

Neste momento, o meu maior pesadelo é pensar que, um dia, posso não a ter a meu lado, para me apoiar. Tenho medo de não a poder proteger. Estou velho e cansado, a brisa marítima deixou marcas profundas na minha pele salgada e sinto que as minhas forças estão a desaparecer, cada vez mais depressa. Não a quero deixar aqui, assim, ao sabor das correntes. Ela salvou-me, e eu não a posso abandonar. 

Assim, limito-me a sussurrar ao vento e às estrelas-do-mar que a protejam por mim, quando eu já não puder olhar para aqueles olhos que reflectem o tom do mar e que tanto me fizeram feliz ao longo destes anos. Nada mais está nas minhas mãos. 





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