Sou
apenas um velho Homem do Mar. Nasci numa onda desta imensidão azul e aqui irei
morrer, um dia. Esta vai ser sempre a minha casa.
Ao longo dos anos, aprendi a
deixar os meus sonhos voarem nas asas de uma gaivota e a esconder os meus
receios debaixo de uma concha submersa. Encontrei nos animais que habitam as
águas os mais fiéis confidentes e aprendi que a areia das praias me corre entre
os dedos como o tempo que passa: veloz e imparável.
Comecei a perceber que cada dia em que observo o sol a
esconder-se representa mais uma vitória, mais uma batalha que travo nesta vida
de contrariedades e de muita esperança vã. Levei
muitos anos a conseguir compreender o que queria realmente para o meu futuro,
porque não entendia como era possível incluir as pessoas numa existência tão
discreta e camuflada pelas marés como a minha.
Porém,
sem que conseguisse sequer tentar evitar o que quer que fosse, deixei que o meu
coração fosse aprisionado por uma sereia, de tranças loiras cor de areia e
olhos verde-água. Ainda hoje não sou capaz de organizar ideias nem de
reconstruir esta história, que reconheço como uma história de amor, com cheiro
a maresia e repleta de lembranças azuis.
Confesso que a amei desde o primeiro momento em que a
vi. Não sei se foi a sua voz que me deteve, como a tantos outros marinheiros,
ou se foi apenas a forma como olhava para mim, com um ar um pouco triste mas,
mesmo assim, cativante. Quando os nossos olhos se cruzaram, foi como se a lua e
o sol se tivessem abraçado por breves e fugazes segundos, como se os dois se
tivessem encontrado pela primeira vez para nunca mais se largarem. Na verdade, foi como se ela me resgatasse do meio dos
destroços de um navio afundado nas profundezas do oceano. Ela libertou-me,
mostrou-me de novo a luz do dia e o brilho tímido das estrelas.
Neste momento,
o meu maior pesadelo é pensar que, um dia, posso não a ter a meu lado, para me
apoiar. Tenho medo de não a poder proteger. Estou velho e cansado, a brisa
marítima deixou marcas profundas na minha pele salgada e sinto que as minhas
forças estão a desaparecer, cada vez mais depressa. Não a quero
deixar aqui, assim, ao sabor das correntes. Ela salvou-me, e eu não a posso
abandonar.
Assim, limito-me a sussurrar ao vento e às
estrelas-do-mar que a protejam por mim, quando eu já não puder olhar para aqueles
olhos que reflectem o tom do mar e que tanto me fizeram feliz ao longo destes
anos. Nada mais está nas minhas mãos.
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